EVOLUÇÃO ATRAVÉS DE MÚLTIPLAS ENCARNAÇÕES - livro de Vilma Damásio

EVOLUÇÃO ATRAVÉS DE MÚLTIPLAS ENCARNAÇÕES
PALAVRAS DA PSICÓGRAFA - VILMA DAMÁSIO

Antes de darmos início a este livro quero informar que estudei durante sete anos em colégio de freiras BENEDITINAS,o Santa Escolástica, em Sorocaba. Católica como era, portanto, jamais pensara em me tornar espírita. Porém a mediunidade, que aflorou na adolescência sem que o percebesse, continuava a dar sinais de que deveria ser desenvolvida.
Não sabia, então, absolutamente nada sobre a doutrina de Kardec, embora meu pai fosse espírita convicto. Nessa época ele tentou, insistentemente, convencer-me do bem que o espiritismo me traria. Entretanto, convencida que estava das ideias que a Igreja inculcara em minha mente, eu resistia. Era ainda jovem para discernir e não estava preparada para uma mudança tão radical.
Em meus primeiros anos meus pais nunca haviam falado em religião. Mamãe, cujo pai, meu avô, pertencia à maçonaria de Espanha, não frequentava a igreja, assim como meus tios e tias. Aos oito anos entrei no Grupo Escolar e alguns meses depois minhas colegas disseram que iam se preparar para fazerem a Primeira Comunhão. Vendo a alegria que estampavam no rosto, interessada e curiosa, me interessei em fazer o mesmo. E assim comecei a catequese na cidade de Santos, onde nascera. Nossa casa não ficava longe da igreja, e meus pais não se opuseram. Não quiseram tolher a minha liberdade de escolha.
Meses depois, vestido branco e longo, véu à cabeça e terço às mãos, eu fazia a Primeira Comunhão com grande devoção. Havia decorado o catecismo e sempre que a instrutora fazia uma pergunta era a primeira a levantar a mão.
Após a missa o padre deu início à entrega dos diplomas. Todas foram chamadas menos eu. Resolvi ir à sacristia para reclamar ao padre. Ele me olhou fixamente, estranhando o fato. Eu estava em pé à sua frente, encarando-o sem timidez. Queria o meu diploma. Perguntou-me então o nome e respondi sem hesitar:
-Vilma Damásio.
A seguir ele abriu o grande livro, folheou-o dizendo após alguns minutos:
-Seu nome não consta no registro.
-Mas eu fiz todas as aulas e acabo de receber a Santa Hóstia, retruquei com firmeza.
Nesse momento entrava a instrutora e ouvindo o que eu dizia, concordou:
-É verdade, senhor padre. Ela participou de todas as aulas.
E então, calmamente, ele tomou de um diploma na gaveta da escrivaninha e em breve, a sorrir, o colocava em minhas mãos. Agradeci, beijei-lhe a mão e fui embora, satisfeita. Mais tarde, ao lembrar-me do fato, deduzi que a mamãe não me havia inscrito na catequese, julgando com certeza não ser necessário...
Ao terminar o Grupo Escolar nos mudamos para Piedade onde, na época, ainda não havia Ginásio. Fui então matriculada, como disse anteriormente, no Colégio Santa  Escolástica, onde, após sete anos recebia com louvor o diploma de professora normalista. Entre as várias matérias do curriculum da época, tínhamos também aulas de Religião e Apologética, que vem a ser uma parte da teologia católica em que se defende a religião contra seus inimigos e se refutam as objeções levantadas contra o catolicismo.
Ao receber meu diploma de normalista estava decidida a me tornar freira. Porém não era o que escolhera para esta minha existência terrena e em breve tirei essa ideia da cabeça ou com certeza, pensei mais tarde, amigos espirituais o fizeram.
Dediquei-me a princípio, à tarefa de professora primária e mais tarde, de canto orfeônico e piano.
O tempo fez, aos poucos, com que me desiludisse do que a Igreja, tão cheia de suntuosidade, pregava; Jesus não pregava a humildade? Não escolhera para apóstolos simples pescadores? Não fora filho de um carpinteiro? Era o que me perguntava então. Já não frequentava tanto a igreja nem apreciava seus rituais, nem mesmo aquele Jesus pregado à cruz, mas sim o Cristo redivivo derramando sobre a humanidade seu Evangelho de luz.
Não creiam que desrespeito a Igreja e seus ministros, nem mesmo as demais religiões que declaram que apenas a sua é verdadeira. Ao contrário, sou eclética. Absorvo de cada uma o que ela pode me oferecer de melhor.
Em agosto de 1953 conheci meu futuro marido em São Paulo, onde eu cursava os dois últimos anos de Piano e Canto Orfeônico, no Instituto Musical de São Paulo, do então maestro João Baptista Julião. Casamo-nos na igreja matriz de Piedade onde morava e ainda moro. Tivemos um casal de filhos e 56 anos de casamento sólido até que ele nos deixou após uma semana de UTI. Fiquei desolada, porém, conhecedora da doutrina dos Espíritos, aceitei com coragem e resignação a sua partida.
Sei que cumpriu a sua tarefa e está melhor do que nós, que ainda carregamos o fardo da matéria. Sei também que minha luta ainda não terminou e devo prosseguir, até que chegue o momento de me unir novamente a ele.
Dia 03 de outubro de 2013, remexendo guardados antigos, encontrei um caderno velho, já amarelado onde estava escrito: Psicografia – Evolução Através de Múltiplas Encarnações. Lembrei-me imediatamente daquele caderno onde havia psicografado há muitos anos...
Sim, eu me tornara espírita kadercista em princípios de 1965. Estava então com 34 anos. O chamamento para minha tarefa mediúnica não dera tréguas até que me decidi e sei que esta foi a melhor decisão.
Acho interessante contar a vocês como aconteceu: Tudo começou quando um tremor inexplicável me acometeu. Como já tinha sofrido uma convulsão durante o terceiro mês de gravidez do meu filho, ficamos bastante preocupados. Meu marido então me perguntou se queria que chamasse o médico ou então nossa amiga Maria Amélia.
Maria Amélia era médium e morava próximo à nossa casa. Tinha moral bastante elevada e sendo quase analfabeta, psicografara um livro – Do Orgulho à Humildade – logo depois editado. Frequentava o único centro que havia em Piedade – Centro Espírita Luz e Caridade. Intuitivamente pedi para chamá-la.
Já passava das nove horas da noite. Imediatamente ela se prontificou e pouco depois chegaram. Com aquele sorriso todo peculiar me abraçou e a seguir aplicou-me um passe. Ao terminar eu já não tremia. Aquilo para mim era a prova de que eu precisava. Disse-me a seguir que eu tinha mediunidade e era necessário que desenvolvesse. Convidou-me então a frequentar o grupo espírita do qual fazia parte ativa, indicando-me o dia e a hora da próxima reunião, que seria dois dias após. Tinha, portanto, quase quarenta e oito horas para pensar. Agradecemos sua ajuda e orientação, aliviados. No dia da reunião já havia decidido e hoje sei que amigos espirituais certamente me ajudaram.
O fato de minha família e a de meu marido serem adeptos da doutrina de Kardec influenciou em muito essa minha decisão, e assim, no dia e horário programados, lá estava eu pronta para tomar um novo rumo em minha caminhada nesta vida, me dedicando com afinco aos estudos da doutrina dos Espíritos. A minha mediunidade reprimida por tanto tempo aflorava, então, impetuosamente.
Desde a primeira reunião se manifestou a psicofonia através de um espírito sofredor, a chorar. Pouco tempo depois o dirigente me disse estar apta a transmitir passes. Enquanto isso estudava os livros de Kardec. A psicografia se manifestou a seguir. Foi grande minha alegria quando, espontaneamente, minha mão passou a escrever o que a entidade queria transmitir. Eram pequenas mensagens edificantes e confortadoras. E foi então que, em 24 de maio de 1969, recebi o que passo a transcrever:
“Deus, Pai de amor e misericórdia, derrama sobre teus  filhos necessitados o bálsamo que alivia e conforta. Permita possamos refazer nossas energias na fonte do amor divino a fim de que possamos preparar o terreno para a tarefa a que nos propusemos e que, por acréscimo de misericórdia nos está reservada.
Rendemos-Te graças por permitir que possamos finalmente dar a conhecer aqueles que o desejem, nossas maiores faltas e, portanto, nossos maiores débitos. Que possamos ficar em paz conosco mesmo enfrentando esta tarefa tão somente após a qual sentiremos o coração puro das máculas que o enegreceram em tempos idos.
Que agora, finalmente, após havermos colhido com o amargor do fel aquilo que, em nossa ignorância de um dia semeamos, possamos dedicar-nos à tarefa de alertar aqueles que, inconscientes do mal que fazem cair sobre si mesmos, trilham o mesmo caminho que nós, outrora.
Que não venham a sofrer as mesmas decepções que nos feriram a alma e o âmago do ser. Queremos ser o brado de alerta para esses que, cegos como fomos, enveredam pela senda do erro e do crime!
Muito padecemos, mas tudo nada foi e hoje agradecemos Aquele que é todo amor, pelo benefício que a dor e o sofrimento nos trouxeram, pois que nos tornaram melhores, redimindo-nos de nossas culpas. Para isso obtermos, entretanto foram necessárias muitas peregrinações aqui na Terra, mas afinal chegou o dia em que pudemos resgatar os imensos débitos para com aqueles a quem fizemos tanto mal.
Hoje Deus nos permite satisfazer o grande desejo que temos alimentado de alguns tempos para cá e que é escrever parte de vidas passadas, dizendo daquilo que fomos e fizemos em algumas encarnações neste planeta.
É o imenso desejo de nos libertar completamente do pretérito, que nos faz tomar da caneta e escrever, como também querer abrir os olhos daqueles que se encontram em erro.
Assim, peço-vos, amigos e irmãos, lerem a nossa história que pode assemelhar-se a de muitos de vós, sem que o saibam, ou seja, sem que se lembrem ao se encontrarem no plano físico. Que fique bem claro, porém, que aquilo que nos leva a fazê-lo é o amor por todos quantos têm ainda os olhos vendados. O amor, queridos irmãos, é o sentimento maior e mais belo que existe sobre a face da Terra e o elo que os deve unir é a fraternidade e a caridade.
Jesus disse: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. “Fazei aos outros aquilo que gostaríeis que vos fosse feito, não fazendo a ninguém o que não desejaríeis que se vos fizessem”.
São baseados nessas palavras do Divino Amigo que nossos conselhos sinceros se firmam.
“Leiam, analisem e tirem conclusões”.
Z (identificação da entidade)

O CALIFA TIRANO
           
Há alguns milênios atrás vivia eu uma vida de príncipe na velha Arábia Saudita. Era um potentado e por isso mesmo orgulhoso e desumano. Calcava aos pés os humildes servos que se curvavam e humilhavam à minha passagem. Meus menores desejos eram imediatamente satisfeitos e minhas absurdas paixões executadas ao menor sinal meu. Servos e servas temiam-me e deviam-me obediência cega. Tirano, desumano, não os via como semelhantes meus, como filhos do mesmo Pai de amor, mas criados apenas para os meus prazeres. Não lhes reconhecia um coração, não lhes via o cansaço, a lealdade. Deviam-me apenas obediência e tratados eram como animais de carga, como se humanos iguais a mim não o fossem. Porque eu, em minha soberania era inferior a eles, mil vezes inferior. Meu espírito não merecia beijar-lhe os pés, mas eu, nascido em berço tradicional, um potentado na época e na extensa região da China e da Arábia Saudita, não lhes reconhecia a superioridade.
Nessa minha romagem terrena pratiquei muitos crimes e se Deus, em sua bondade, não me houvesse arrebatado ao mundo espiritual na minha idade madura, na ocasião em que a paixão e o desamor dominavam-me totalmente o ser, continuaria em minha vida de crimes, de roldão em roldão, até o abismo sem fim. Conto-vos isso após tantas centenas de anos e ainda sinto o arrepio do remorso e da vergonha. Mas, decidido a levar adiante este meu trabalho irei até o fim, satisfeito por poder de certa forma vos ajudar a compreender a justiça e a bondade do Pai.
                Como vos dizia, meus desejos eram ordem e lei. Dominava e era servido.
                Filho de pais que não se compreendiam e nem amavam, numa época em que permitido era aos homens tomarem várias mulheres, eu nasci da primeira esposa de meu pai; coube-me então, como primogênito, a herança e o trono de meus ancestrais. As outras mulheres a quem meu pai, após meu nascimento e depois de abandonar minha pobre mãe que, humilhada, poucos meses depois sucumbiu, ficaram  incumbidas de me criar. Entretanto, desde os verdes anos via-lhes nos olhos o ciúme, a inveja, porque seus filhos não teriam o direito que eu um dia receberia. Intrigas e malevolências rodearam-me a infância e talvez por isso tenha eu crescido com o coração amargo e revoltado. Quando finalmente, com a passagem de meu pai para a outra vida, vi-me em seu lugar como único soberano de toda a região, quis vingar-me, quis derramar sobre cada um o fel que me asfixiava o ser.
                As primeiras a sofrerem a minha maldade foram certamente as outras mulheres de meu pai, aquelas mesmas que um dia me haviam feito sofrer, me haviam humilhado e ofendido. Sem ouvir-lhes o pranto e o desespero, mandei-as encarcerar e lá ficaram até que Deus se lembrou de me levar para impedir que continuasse trilhando a senda amarga da vingança.
                Apenas uma, a boa Tália, que me ajudara a vencer a amargura da infância e juventude, continuava a meu lado como um anjo bom e tutelar a me aconselhar. Mas não lhe dei ouvidos. Conselhos eram para crianças, lhe dizia eu. Quem poderá aconselhar-me a mim, que sou o soberano? Perguntava eu, com o coração cheio de orgulho. Nem mesmo tu, minha boa Tália.
                E prossegui durante anos o meu reinado de trevas, cego que estava pelo ódio. Nem mesmo minha primeira esposa a quem amava verdadeiramente, conseguiu me demover de minha tirania. Após dez anos da morte de meu pai, também eu partia da terra, sem deixar herdeiros. Consequentemente a coroa passou à cabeça de meu irmão. O segundo filho de meu pai imediatamente fez soltar a mãe e as demais esposas de meu falecido pai.
                Na espiritualidade, endurecido como eu ainda era, não dei ouvidos a conselhos de espíritos amigos e superiores, mas, dominado novamente pelo ódio e pela decepção de tão cedo ser obrigado a ceder o meu trono, o meu reino, passei a obsidiar meu irmão, que alguns anos depois ficava completamente alucinado, sendo obrigado a passar o trono às mãos de meu outro irmão. Também a este outro cerquei com todas as minhas artimanhas e o pobre espírito enfraquecido, num dos momentos em que o obsidiava, suicidou-se, ingerindo veneno mortal. Mas não estava satisfeita ainda minha vingança. Quando o terceiro e último irmão subia ao trono, apossei-me novamente do espírito de meu primeiro irmão e o induzi a matar aquele que devia agora ocupar o trono. Assim, não havendo mais quem pudesse ocupar o meu lugar, deixei-os entregues ao desespero, satisfeito por sentir-me vingado.
                Entretanto, não sabia eu o que me esperava então. Sim. Tremendo foi o meu despertar. A luta que precisei enfrentar foi horrível.
                Minha mãe, minha querida e santa mãe que não me pode embalar nos braços, chegou-se a mim um dia. Eu a vi como a uma santa resplendente de luz e, amedrontado, ajoelhei-me. Ela me sorriu entre as lágrimas murmurando:
                - Meu filho! A que ponto tu chegastes! Por que! Por que!
                Naquele instante não lhe pude responder, porque as lágrimas me inundaram os olhos e não mais a vi. Daquele instante em diante começou o meu sofrimento.

NO PLANO ESPIRITUAL
               
Oh desespero! Oh caos! Oh aflição! Oh remorso! Tudo isso junto me acompanhou por anos a fio. A imagem daquela mulher resplendente de luz que se apresentara a mim como sendo minha mãe, não me saía da cabeça. Embora não me lembrasse da fisionomia daquela que me pusera ao mundo, senti dentro de mim que ela era realmente minha mãe. Meu pensamento a seguia, meus olhos pareciam vê-la a cada momento. Eram aqueles olhos tristes que me faziam sentir o peso de minhas culpas.
                Oh! Causa-me ainda horror lembrar aqueles tão distantes dias. Não sei bem dizer quanto durou minha aflição sem limites: se anos, séculos, milênios. Só sei dizer que após torturas que os amigos não poderiam nem de leve calcular, após haver chorado lágrimas amargas de arrependimento, após haver me lembrado de que existe um Deus que olha por todos e elevado a Ele o meu pensamento cheio de arrependimento sincero, vi novamente, agora a me sorrir, aquela que me dera o ser.
                Ajoelhei-me ante ela e ela amorosamente enlaçou-me em seus braços. Assim fiquei por longo tempo sem nada poder dizer, sem ao menos atrever-me a levantar o olhar temendo encontrar no dela, admoestação ou tristeza. Foi ela quem, carinhosamente, me levantou o rosto obrigando-me a fitá-la. Seus olhos cheios de luz me penetraram a alma dizendo:
                - Filho meu, é chegado o tempo de te reconciliares contigo mesmo. Deves finalmente pagar os débitos contraídos. Difícil será tua jornada, grandes os dissabores que deverás enfrentar, tremenda a luta que terás que travar contigo mesmo. Mas lembra-te que estarei sempre ao teu lado, inspirando-te e dando-te forças, animando-te a prosseguir e a não mais persistir no erro. Deus ouviu as minhas súplicas e te concede uma nova oportunidade. Retornarás à terra onde foste soberano, para entrares em contato com aqueles mesmos aos quais prejudicastes, aos quais matastes e fizeste assassino. Pode chorar, meu filho, porque as lágrimas são bálsamo que alivia e conforta.
Continuou dizendo-me aquela santa mulher, vendo-me desfeito em pranto:
- É a nova oportunidade que te concedem. Portanto, coragem e confiança. A luta será árdua, mas dela obterás como recompensa o alívio. Vai, filho meu, que te guiarei os passos em tua nova caminhada. Desta vez não serás um príncipe, mas um humilde servo, um escravo dos teus servos. Sofrerás  punições, o desamor, a fome e a miséria, mas tudo será para teu próprio benefício. Grava bem na mente estas minhas palavras: Sofrei com resignação, aceitando as provas como o bom aluno que pretende se graduar. Tem confiança e sê perseverante. Não te deixes levar pelo desânimo, mas seja forte, corajoso, e humilde. Não estarás só nessa luta. Tua mãe te abençoa e abençoará sempre.
Beijou-me em seguida a fronte, os olhos molhados ainda do pranto, a face, as mãos suadas e frias.
-Agora, querido meu, te levarei a um lugar aonde irás te preparar convenientemente para tua nova jornada.
E, fazendo-me levantar enlaçou-me, levando-me carinhosamente consigo.

PREPARANDO UM NOVO RETORNO

                Durante meses a fio trabalhei na restauração de mim mesmo, tendo o apoio indispensável de espíritos benfeitores e amigos. Preparei-me o melhor que me permitia minha capacidade mental para a nova peregrinação que deveria marcar uma nova etapa em minha vida de espírito. Minha mãe já não se encontrava mais a meu lado, pois que tarefas de maior importância lhe exigiam a presença em outros lugares. Apenas nas vésperas de meu retorno ao plano físico tornou ela para se despedir e encorajar-me.
                Devo dizer-vos que embora temendo as duras provas por que iria passar, alegrava-me a ideia de que teria por algum tempo o benefício do esquecimento. Sim! Porque doloroso era lembrar constantemente de meus crimes, de minha perversidade. Havia momentos em que a lembrança do passado tornava-me quase que como alucinado, endoidecido. Não fossem os conselhos e o conforto que me advinham daqueles irmãos benfeitores e eu não teria resistido ao remorso, ao desespero de sentir-me tão vil, tão culpado.
                Foram meses de aprendizado benéfico em que meu espírito procurou se encontrar consigo mesmo. Sabia que não estava ainda suficientemente preparado para vencer a dura prova, mas confiava em minhas poucas forças e esperançado em que o esquecimento do pretérito me fizesse caminhar com mais retidão.
                Já estava tudo preparado para minha partida. Iria eu reencarnar no seio de uma família de escravos do grande soberano da Arábia que era, na ocasião, o filho de meu irmão mais velho, aquele a quem eu obsedara, transtornando completamente sua razão; e depois, aproveitando-me disso, fazendo-o assassinar seu próprio irmão, que era também o meu.
                Esse meu irmão a quem tornei assassino, algum tempo depois de ter me afastado dele, recuperou-se completamente e veio assim a reassumir seu lugar no trono. Há algum tempo já desencarnara e no momento era seu primogênito quem dirigia nossa grande tribo.
                Tinha ele o coração bem formado e puro e nutria grande afeto pela família aonde iria eu reencarnar. Minha mãe era-lhe de grande estima, pois que amamentara seus dois filhinhos, agora com a idade de três e cinco anos. Meu pai, o homem humilde e trabalhador, embora nascido de escravos, era bem acatado e estimado por todos. Tinha já eu três irmãos e uma irmã a quem iria tomar o lugar de caçula.
                Quando minha mãe, aquela que dera à luz um príncipe me abraçou, não me contive e chorei em seus braços implorando sua bênção e proteção. Ela confirmou sua promessa de ajudar-me, dizendo-me ainda que aquela que seria minha nova mãe ajudar-me-ia também bastante, orientando-me os passos.
                Que ironia! Duas santas a auxiliar-me! Uma me trouxera à terra como rei, outra o fazia como escravo. E, no entanto, ambas eram boas, puras e me amavam muito a ponto de se permitirem receber-me como filho, a mim, tão inferior e indigno delas!
                Mas a bondade de Deus não tem limites e tampouco a daqueles que se lhe aproximam. A pobre escrava era minha boa Tália, que me antecedera para novamente carregar-me nos braços e tentar novamente encaminhar-me, uma vez que sua missão anterior falhara devido a minha obstinação.
                Tudo isso me foi desvendado antes de minha partida para a Terra. Sabia eu de antemão as duras provas pelas quais deveria passar e que não me seria fácil vencê-las, especialmente o orgulho, que deveria ser dominado.
                Assim, parti da espiritualidade, despedindo-me temeroso, mas feliz, para encontrar numa vida de trabalho e sacrifícios, na humilde rotina de todo dia, a paz de que necessitava meu espírito devedor.

SENSAÇÕES QUE TRAZEMOS DO PASSADO
               
O retorno  à Terra não me foi penoso, muito pelo contrário: dia a dia ia me esquecendo do passado, ia me sentindo como que cada vez mais adormecido. Um sono leve de início se tornou cada vez mais e mais profundo, até que de todo se apagou de minha mente a vida de horrores que levara até então. Não podia identificar-me, mas isso de forma alguma me preocupava. Sentia-me cada vez menos consciente de mim mesmo até que finalmente vim ao mundo na humilde casa de escravos onde eu era agora também um novo servo que nascia para o serviço de meu amo e meu rei.
                Os primeiros anos de minha infância transcorreram na mais completa harmonia. Meus pais me queriam muito e meus irmãozinhos folgavam comigo na doce inocência da infância. Eu ainda não conhecia a maldade, a inveja, o ciúme.
                Quando pela primeira vez senti o estilete destes males foi quando vi o filho de nosso rei que vinha acompanhado de dois servos trazendo a meu pai uma mensagem. Tinha eu seis anos apenas, mas não pude deixar de reparar nos trajes belos do rapazinho garboso, que se apresentava à nossa humilde casa. Olhei minhas vestes grosseiras e o brilho do traje do príncipe, seu porte altivo, sua voz firme, quando me perguntou, ao entrar:
                -Seu pai está?  
                Não lhe soube responder. Minha voz morreu na garganta e senti vergonha de mim mesmo.
                -Entregue a ele esta mensagem sem demora. Vai, garoto! Continuou, vendo que eu não me movia.
                Saí então a correr para junto dos meus que, àquela hora estavam na labuta da terra. Meus irmãos maiores já ajudavam na faina diária e eu, que era muito franzino, ficava em casa a brincar.
                Era uma mensagem de grande importância, realmente, pois meu pai largou incontinente a pá, tornou-se lívido, aproximou-se de minha mãe e ambos choraram, abraçados um ao outro. Eu os olhava, perplexo, sem compreender. Nada me preocupava mais, no momento, do que a profunda impressão que me causara a presença do rapaz, filho de nosso rei.            
Só mais tarde soube o que continha a breve mensagem, a qual modificou completamente os nossos destinos.
Na ocasião, porém, não compreendia a razão de meu pai haver partido tão rapidamente. Ao voltarmos para casa fiquei admirado ao ver soldados revirando nossa humilde morada. Minha pobre mãe chorava desesperada e nós não sabíamos como confortá-la. Na ocasião, o que eu sabia e compreendia, era que nosso pai fugira dos soldados que certamente o queriam prender.
Por muito tempo ainda fiquei sem ver o belo rapaz, filho do rei. Seus olhos tinham um brilho estranho e, ao me olhar, pareciam querer ler no fundo dos meus. Por que teria ele me olhado daquela forma? Talvez penalizado ao ver minhas pobres vestes, pensei, aborrecido.
Só bem mais tarde fiquei sabendo a razão da fuga de meu pai e o conteúdo da mensagem. Ele, em quem nosso soberano confiava plenamente, fora depositário de um segredo de Estado. Entretanto, apesar de toda cautela, espiões inimigos vieram a descobrir tudo. Esse o motivo de tentarem prendê-lo.
Sabendo que haviam sido descobertos, a mãe do rei mandou o neto levar aquela mensagem, avisando-o do perigo que corria. Era necessário fugir para evitar o escândalo e a ruina do rei. Minha mãe, em suprema preocupação e acabando-se em pesados serviços, definhava dia a dia.
                           
A VOLTA AO LAR

Quando mamãe nos deixou para continuar sua caminhada de Espírito no outro lado da vida, me senti praticamente abandonado. Meus irmãos não tinham tempo para se ocuparem de mim e minha irmã, tão menina ainda, foi obrigada a tomar o lugar da nossa mãe nos afazeres domésticos.
Eu a ajudava nessa tarefa, já que não me admitiam para serviços mais pesados. Auxiliava-a a lavar, a limpar nossa humilde casa e até a cozer. Com o correr do tempo e o passar dos anos, procurei um serviço numa oficina de marcenaria, como ajudante e aprendiz.
Não tivéramos ainda notícias de papai e fazia já três anos que ele nos deixara. Foram anos de tristeza, amargura e expectativa.
Nosso rei e amo procurou amenizar nossa dura provação dando trabalho mais digno para meus irmãos, admitindo-os na Escola de Infantaria. Seriam eles futuros guerreiros e defensores da pátria e do soberano. A mim, entretanto, de constituição frágil, só me cabia conformar com a humildade de minha profissão, que não me satisfaziam totalmente as aspirações. Como aprendiz de marceneiro não me sentia realizado, mas eu não me  lamentava, ainda mais que a oficina era bem frequentada.
Vez por outra até mesmo nosso rei lá aparecia. Eu notava que ele me olhava com certa expressão no olhar, como se sentisse culpado pela minha situação de órfão. Geralmente ia acompanhado pelo seu filho, que, ao contrário do pai, me fitava com arrogância, como se estivesse num pedestal. No meu íntimo, eu sentia que ele desdenhava da minha triste situação. Era como se fôssemos inimigos um do outro. Trocávamos poucas palavras, e essas eram como dardos invisíveis que me feriam os sentimentos.
Eu não podia compreender a causa daquela aversão que tínhamos um contra o outro. Ao contrário, eu era o filho daquele que salvara seu pai de um golpe fatal! Nessa ocasião eu já sabia que meu pai fugira por ser o portador de um segredo que, se fosse descoberto, iria ferir a reputação do rei, seu pai. Meus irmãos já haviam me inteirado de toda a situação. Eu não lhe tinha ódio, porém ainda invejava seus belos trajes, o belo porte e a nobreza da sua linhagem.
Por outro lado, não conseguia admitir que tivesse ódio de quem era pobre, feio e franzino, além de carente de amor e compaixão. Porém, como dois polos opostos    que não podem se encontrar, assim nós dois não podíamos nos ver.
Certa noite aconteceu o inesperado. Após o trabalho entrei em casa. A alegria inundava os olhos e o coração de meus irmãos, que rodeavam um pobre velho no qual foi difícil reconhecer nosso pai, tão envelhecido se encontrava. Meu coração parecia querer saltar do peito. A alegria mesclou-se à dor por vê-lo assim, tão abatido e acabado. Notava-se que aqueles anos haviam sido de grande sofrimento para ele.
Soubera da passagem prematura da nossa mãe e nada pudera fazer, nem mesmo vir beijá-la num beijo de despedida. Sua dor fora tanto maior por deixar-nos completamente órfãos. Haviam sido anos de grande amargura para todos nós.
Ficamos sabendo que fugia, fugia sempre, temendo que o encontrassem e o forçassem a contar o segredo de que era portador. Aquele segredo significava nada mais nada menos do que a segurança do nosso povo e do próprio rei. Papai fora um herói, mas não recebera os louros da glória; muito ao contrário, a humilde condição de servo o acompanhava como a nós mesmos, ainda. Era escravo de nascença, entretanto granjeara a confiança e a simpatia do atual soberano, que lhe dera a liberdade. Ele, porém, continuava firme em seu posto de servo e amigo fiel.
Nessa ocasião, ou seja, no dia do seu retorno à casa, fiquei sabendo que nosso soberano, pouco tempo depois de receber a coroa que lhe pesava nos ombros, e com ela as responsabilidades da nação, fora acometido de horrível loucura, loucura essa que fez com que tivesse que ser afastado do trono. Em seu lugar, então, subira ao poder seu único irmão, uma vez que o outro havia se suicidado.
O atual soberano, então, afastado pelos motivos que nosso pai já explicara, conseguiu certo dia burlar a vigilância e assassinou o irmão, estrangulando-o. Os dois guardas que o vigiavam não conseguiram impedir tão bárbaro crime. Apossara-se dele tal força, tão diabólico pensamento, que somente ao ver o irmão morto a seus pés, conseguiu acalmar-se. Apenas os dois vigilantes, nosso pai e a mãe do louco assassino presenciaram o triste ocorrido.
Meus irmãos o olhavam, abismados. Eu, porém, não me encontrava apenas surpreso com a revelação, mas também chocado. Aquilo para mim foi um duro golpe. Fiquei amargurado e estarrecido. Não conseguia admitir que nosso rei, por quem eu sentia tanta admiração fora o assassino do próprio irmão. Certamente alguma força estranha o arrastara a tal brutalidade.
Ao pensar assim comecei a me sentir mal. Minhas pernas fraquejaram, meus olhos se enevoaram e foi preciso que me agarrasse à mesa próxima para não cair. Como todos estavam absorvidos na narração de papai, ninguém deu pela minha súbita vertigem; e eu procurei me reanimar rapidamente.
Continuando, ele prosseguia em sua narrativa. Ninguém soubera do acontecido. Haviam dado a causa da morte do soberano como ataque cardíaco. Os dois criados presentes foram imediatamente subornados pela mãe do assassino doente, e esta, naturalmente, não iria condená-lo. Nosso pai lhe prometera, sob  juramento, nada revelar. Em troco, pediu tentar curá-lo. Já em certa ocasião havia conseguido salvar a um doido, curando-o completamente. A princípio ela relutara, porém, conhecendo seu nobre caráter, concordou. Afinal que mal havia em deixá-lo tentar? Se conseguisse seu intento teria sua estima incondicional, lhe dissera a seguir.
E meu pai conseguiu. Com a força do seu pensamento e da sua fé no Poder Supremo acabou por afastar o mal e reequilibrar o espírito combalido do doente. Assim, logo após a morte do monarca que assassinara, retornava ele ao trono absolutamente são. Nenhum vestígio ficara da loucura. Em dados momentos, entretanto, sua mãe, sempre atenta, notava seus olhos tristes e sombrios, porém ele mesmo, não se lembrava do que se passara.
Os dois servos que haviam assistido a cena do crime haviam saído da cidade levando avultada quantia em dinheiro, prometendo guardar sigilo e não mais voltar.
Anos se passaram até que um deles retornou, exigindo da mãe do rei nova quantia em moedas de ouro. Sem saber o que fazer, ela mandara chamar nosso pai para que a aconselhasse. Papai então achou por bem que o rei soubesse de toda a verdade antes que o outro o fizesse. O monarca, então, fez com que o servo fosse encarcerado numa cela sem que pudesse se comunicar com ninguém.
Algum tempo se passou sem que nada de extraordinário sucedesse até que, em certo dia, após inúmeras tentativas, esse servo conseguiu burlar a vigilância fazendo do guarda seu comparsa e fugindo da prisão.
A fuga do prisioneiro pôs em sobressalto o soberano e sua mãe. Ordenaram então a meu pai sair em perseguição ao foragido, visto como ninguém mais deveria saber do terrível segredo. Após uma procura infrutífera meu pai  retornara, dando ao rei a notícia do malogro de sua busca.
Mais algum tempo se passou até que aquele servo desleal tentou vender o segredo a um reino inimigo, que aguardava o momento de poder se vingar de ataques antigos efetuados a eles pelo nosso povo. Essa seria a chance que o soberano via de usurpar de nossos cofres um valor inestimável em ouro e pedras preciosas.
Assim sendo, convocou a guarda real. Dias depois, acompanhado pelo servo infiel, apresentava-se no palácio real solicitando uma audiência com nosso rei. Este o recebeu, sem sequer imaginar o motivo que o trazia ali, inclusive desconhecendo o fato de que vinha acompanhado do seu antigo servo.
 Sua mãe, sempre atenta com tudo quanto lhe dizia respeito, assistia a todas as convocações escondida atrás de um pilar de onde podia ver e ouvir tudo sem ser vista. Assim que viu o servo infiel, estremeceu. Pressentiu que algo de muito grave estava para acontecer. Lembrou-se que meu pai havia aconselhado a ela contar ao rei tudo quanto havia acontecido realmente sobre a morte do irmão. Mentalmente agradeceu o conselho. Seu filho agora saberia como agir diante da situação que estava prevendo. E, muito embora confiante, passou a ouvir, com o coração aos saltos, o que diziam.
O soberano do reino vizinho queria ouro e pedras preciosas em troco do seu silêncio. Caso contrário, a desgraça, a desonra e até mesmo a perda do seu reinado estariam em jogo. Nosso soberano, entretanto, mostrou-se firme e impassível, negando tudo. Era a palavra de um rei contra a de um subalterno, dissera. Este, porém, intempestivamente gritou que havia outra testemunha que, se fosse suficientemente pressionada, haveria de confessar que aquilo era verdade. Sabendo que ele iria se referir a meu pai, ela saiu ligeiramente e escreveu aquele bilhete do qual já nos referimos anteriormente.
O resto nós já sabíamos. Papai nos deixara e somente agora, após a morte desse rei e a do servo traidor que havia sido morto por deslealdade, ele pudera retornar ao lar. Nosso soberano mantinha espiões em guarda e foi por intermédio deles que papai ficou sabendo que sua missão junto a ele estava cumprida.

A VINGANÇA

Antes de encerrar a narrativa, papai nos intimou a jamais contarmos a quem quer que fosse, o grande segredo que ele guardara por tantos anos e que lhe custara tanta dor e sofrimentos. A seguir, dirigindo-se a mim, disse que eu era ainda criança, mas que ele confiava em que eu também compreendia a importância do que ele acabava de dizer e que jamais iria trair a ele e nem ao nosso rei. Explicou-nos a razão de nos ter contado tudo: era por que sentia a necessidade de desabafo e de justificar a verdadeira causa de sua fuga. Não queria que o julgássemos um covarde. Fugira, sim, mas para salvar a reputação e a honra do nosso rei.
Papai viveu entre nós por mais alguns anos. Seu organismo, porém, já andava doente e seu corpo cansado já não aguentava o serviço duro da lavoura. O soberano, porém, soube ser grato à fidelidade de nosso pai e compensou-o com uma vivenda confortável onde passou o resto de seus dias cuidando da pequena horta e um pomar no fundo do quintal.
Nossa vida, financeiramente falando, mudou para melhor. Foi nessa época que minha irmã começou a namorar um rapaz vizinho e algum tempo depois, casou-se. Arranjamos uma criada para fazer os serviços domésticos e tudo caminhava muito bem. Minha saúde agora era ótima e meu desenvolvimento físico também. Continuava com meu serviço de marceneiro, com a diferença de que agora eu era o chefe dos aprendizes. Orientava-os e lhes ensinava a arte que, felizmente, aprendi com muita facilidade.
Muitas vezes recordávamos os tempos passados, os dias amargos que tivéramos em nossa infância, e agradecíamos a Deus pela felicidade que nos animava o coração. Meus irmãos foram casando um a um e apenas fiquei eu em companhia de nosso pai. Ele agora gozava da amizade do soberano, que o tinha na conta de um de seus conselheiros particulares. Entre seu filho e eu existia ainda aquela forte aversão.
Bem mais tarde é que pude compreender que era o passado que ainda gritava alto em nossos subconscientes. Com certeza o dele gritava ódio e o meu talvez vergonha e arrependimento. Por outro lado eu achava que ele nos devia muito, pois que meu pai se sacrificara pela honra do seu. Meus irmãos e eu mesmo déramos a felicidade de muitos anos e ainda a vida de nossa mãe...
Mas os dias, meses e anos iam se passando. Muitas vezes meus sobrinhos enchiam nossa casa de risos e alegria e nosso pai sorria, satisfeito. Eu contava já quase trinta anos quando me enamorei de uma jovem que demonstrou estar afeiçoada por mim. Nosso namoro não demorou muito tempo e nos casamos cheios da mais completa felicidade. Papai, em especial, não cabia em si de alegria, pois temia que eu passasse o resto da vida solteiro.
  Continuei morando junto ao meu pai. Agora, com a presença da minha esposa, nossa vida adquiriu um novo sentido e tudo corria às mil maravilhas. Ela era dedicada, atenciosa para conosco e demonstrava me amar muito. Por minha vez eu a adorava.
Certo dia, porém, ao chegar à nossa casa depois do trabalho, notei que havia chorado muito. Preocupado, lhe perguntei o que havia acontecido. Procurando disfarçar, ela me disse estar com forte dor de cabeça, mas que em breve estaria curada. Mais alguns dias se passaram e novamente notei lágrimas em seus olhos, lágrimas que procurava esconder. Comecei a ficar apreensivo. Algo não estava bem com ela.
Novamente tentei fazê-la falar, porém mais uma vez se esquivou com evasivas. Nervoso e certamente fora de mim, a segurei pelos ombros sacudindo-a com certa violência. Ela se pôs a chorar, quase que convulsivamente. Não sabendo o que fazer, e já arrependido do meu gesto grotesco, deixei-a entregue ao pranto e fui falar com meu pai. Precisava de seus conselhos. Talvez soubesse do que estava a acontecer.
Com aquela sua calma e bom senso, ele me repreendeu pela minha atitude intempestiva, dizendo que também notara minha esposa com certa apreensão no olhar, mas que talvez aquilo fosse um dos sintomas que as mulheres grávidas costumavam ter. Tive um sobressalto de espanto e alegria.
-Mas por que chora? Perguntei, sem compreender.
-Vá entender as mulheres! Muitas delas, durante esse período de gestação, passam por desejos descabidos, outras no caso da sua, com medo ou alguma aflição que não nos cabe julgar. Vá ter com ela e pede perdão. Anda, vá! Disse-me a seguir.
Corri para ela e abracei-a, comovido. Ela soluçava em meus ombros. Tomei-lhe então o rosto molhado e a beijei, cheio de carinho e arrependimento. A seguir insisti novamente. Não podia entender o motivo das suas lágrimas, num momento em que, como eu, deveria estar exultante de alegria:
-Qual a causa desse choro, minha amada?
E então, entre soluços, ela me contou. O filho do soberano, no dia em que eu precisara me afastar por quase um mês para comprar material de que ia precisar para uma encomenda importante, fora à nossa casa. Ignorando que o sogro saíra para atender a um chamado do rei, ela o fizera entrar, dispondo-se a ir chamá-lo. Entretanto, sabendo que ela se encontrava a sós ele a agarrara à força! Ela não teve coragem para prosseguir. Após um choro convulsivo disse que de nada adiantara rogos, lágrimas, gritos. Ninguém a ouviria, pois que a casa ficava retirada da zona urbana.
                Quando ela acabou de falar eu estava lívido. Sentia que as forças me faltavam. E então, quando, ainda em prantos me disse que estava grávida e que o filho que esperava era dele, eu endoideci. Saí da nossa casa aturdido  e corri à oficina; apanhei uma ferramenta bastante pesada e me refugiei nas proximidades do castelo.
                Já era tarde da noite, quando o filho do rei se aproximou, meio embriagado. Vinha de uma de suas costumeiras farras. Então me atirei sobre ele e, com um só golpe o lancei por terra. Ao ver o sangue que escorria pela sua face, corri. Corri até mais não poder.
                No dia seguinte a notícia do assassinato se espalhou rapidamente. Ninguém sabia quem fora o culpado e este, portanto, ficou impune. Impune não! A sociedade não o condenou, mas sua consciência não lhe deu mais tréguas. Todos os dias via à sua frente o espectro do homem que assassinara. Via sua cabeça ensanguentada e suas belas vestes sujas na lama da sarjeta. Oh! Que quadro, meu Deus! Que quadro!
                Já era madrugada quando cheguei à nossa casa. Raiava um novo dia. Para mim, entretanto, eram trevas densas. Meu coração estava em sobressalto, em agonia terrível.
Não sentia remorsos pelo que fizera. Para mim, praticara a justiça com as próprias mãos. Mas sentia muito medo, medo de que viessem a descobrir que fora eu o causador daquela morte. Principalmente tinha muito medo daquele quadro que não saía da minha frente. Meu pai e minha esposa querida, que fora ultrajada por aquele infame, me esperavam, aflitos. Em sua mente, ela até imaginava o que pudesse estar ocorrendo comigo, e ele, procurando confortá-la.
                Quando cheguei tinha os cabelos desgrenhados, a roupa desalinhada e a febre a roer-me o íntimo. Sentia fogo nas veias e em fogo o coração e a cabeça. Assustaram-se ao me verem. Minha mulher abraçou-se a mim, chorando aflita e meu velho pai, preocupado, querendo saber o que acontecera. Não me recordo qual foi a desculpa que lhes dei, mas minha esposa não deu crédito ao que eu disse.
                A seguir caí na cama e por dias fiquei entre a vida e a morte. A febre não me deixava e eu delirava. Em meu delírio eu falava, chorava e ria. Dizia constantemente:
                -Eu matei o miserável! Eu matei...
                Só depois que a febre cedeu é que minha esposa, que não se afastara do meu lado um instante sequer, me contou a respeito do que eu repetia constantemente. Disse-me ainda ter impedido a entrada até mesmo de meu pai, afirmando que eu estava bem e que não deveria ser perturbado. Mentiu, para não preocupá-lo ainda mais.
                Quando, finalmente, pude coordenar os pensamentos, medi o alcance do que fizera. Entretanto já era tarde. O fato se consumara e eu carregaria pelo resto da existência mais aquele crime.
                Apesar de todas as precauções da minha mulher para evitar que papai tivesse conhecimento de que fora eu que matara o filho do nosso soberano, não foi difícil para ele descobrir a verdade. Eram muitas as “coincidências” que atestavam ao seu raciocínio lúcido e dedutivo, a realidade dos fatos. Ele apenas não conseguia compreender o motivo que me levara ao desvario. Sabia, porém, lá no fundo de sua alma, que a causa deveria ser extremamente forte para abalar dessa forma o meu ser interior.
                Nós não quisemos lhe contar nada e ele respeitou o nosso silêncio. Sofreu calado. Sofreu tanto que sua saúde, já frágil, se abalou a ponto de, em menos de um mês partir para junto da esposa querida. E eu fiquei com mais um remorso a me remoer as entranhas. Fui o causador da morte de meu querido pai que, momentos antes de partir, olhou para mim com os olhos em lágrimas, dizendo:
                -Filho meu, nada que se faça fica encoberto. Dia virá em que tudo estará às claras e é necessário estarmos preparados para esse dia.
                Foram essas as últimas palavras que meu pobre pai proferiu após me abençoar. Chorei muito. Não podia me lembrar de suas derradeiras palavras, sentindo que traduziam a verdade e o amor. Era necessário que me reabilitasse comigo mesmo. Mas como? Estava tudo irremediavelmente perdido. Eu matara e agora não era possível devolver-lhe a vida.
                Repentinamente fiquei sobressaltado. Olhei minha esposa ali ao lado, chorando também. Lembrei que ela trazia em seu ventre o filho daquele homem que causara tanta desgraça para minha família. Nesse momento senti um forte arrepio. Esse homem viveria em seu filho e eu o teria constantemente ao lado... Essa seria a minha penitência. Deus já estava fazendo justiça, pensei, com certa alegria. Eu deveria amar aquela criança, dar-lhe o afeto de pai, dar-lhe o meu nome e o meu amor! Só assim poderia me reabilitar, conforme meu pai me dera a entender. Só assim a justiça divina me faria menos devedor no momento em que tivesse que ajustar contas...
                Aquela criança que não era meu filho e sim o fruto da traição de quem sempre se mostrara meu inimigo, viria a ser o filho que eu amaria com todas as forças do meu coração. Tinha agora certeza de que o amaria como se fosse sangue do meu sangue. Seria a minha alegria e a minha felicidade.
Aproximei-me de minha esposa e abracei-a ternamente. Era o primeiro abraço que eu lhe dava após aquele dia fatídico e ambos, assim abraçados, choramos ao lado do corpo do meu pai.   
                                                                                
O DESEJO DO PODER

A criança nasceu e eu a amei desde o primeiro momento. Eu a recebi nos braços como se fosse meu próprio filho! Daí para diante nossa vida correu cheia de alegria. Ele enchia nossa vida com seus risos e sua graça. Era forte e bonito.
E os anos se passaram. Nunca pude esquecer aquele dia fatídico, mas em compensação meu filho me fazia esquecer os tormentos da triste recordação. Foi essa criança quem me deu forças para não sucumbir. Foi esse menino, filho daquele que eu matara num momento de total desequilíbrio, que me deu coragem para enfrentar a cruel situação.
Com a morte de papai ficamos apenas os três morando na vivenda que meu pai recebera do nosso soberano, que, aliás, chorara muito a perda do filho. Mas a vida prosseguiu e os anos se passaram. O rei também deixou este plano da matéria e aquele que deveria tomar o seu lugar já não vivia entre nós. Então foi coroado um sobrinho seu.
Meu filho já era um jovem belo e elegante. Em tudo, fisicamente, se parecia com o verdadeiro pai. Eu o criei com os princípios de moral que recebera de meus pais e achava que sua índole era boa. Como me orgulhava dele!
Entretanto estava bastante enganado. Ele não era nada daquilo que eu supunha e muito em breve teria provas disso. A vida me preparava mais uma grande prova e certamente que eu a merecia. Era necessário lutar para não cair no abismo! E eu, que já sucumbira várias vezes, que houvera nesta encarnação tirado a vida do pai de quem  hoje chamava de filho, me encontrei  mais uma vez nas garras de terrível provação. Precisava ser forte para não me entregar ao desespero. Felizmente desta vez consegui vencer a dura prova.
Minha querida esposa, estando gravemente enferma, havia chamado o filho para junto de si e, munindo-se de coragem, lhe confessou a origem de seu nascimento. Disse-me depois que não desejava levar para o túmulo aquele terrível segredo. Não sabia se fizera bem ou não, e, se estivesse errada, que Deus a perdoasse. Entretanto, o futuro provou que ele teria sido muito mais feliz se tivesse ignorado a verdade.
Nos primeiros meses após a transição de minha fiel companheira o filho a quem eu tanto amava e por quem tudo fizera, passou a me desprezar, embora não soubesse quem fora o assassino de seu verdadeiro pai. O simples fato de saber de sua origem nobre e de que a ele deveria ser entregue o trono, fez com que se desviasse do bem, menosprezando todos os ensinamentos que eu lhe havia ensinado com a dedicação de um verdadeiro pai.
Todos aqueles anos haviam sido infrutíferos; nada havia germinado das sementes do bem que incutira em sua mente. O desejo insaciável do poder, tanto quanto a cobiça pelas honras o dominaram, a ponto de provocar uma revolta no povo. Afirmou ser filho daquele que deveria estar ocupando o trono, não houvesse ele sido morto há vinte anos. Propagou a ideia da rebelião e conseguiu, após três anos, afastar seu tio do trono, mandando-o exilar em país longínquo.
A mim ele desprezou e humilhou. Não recebi gratidão, mas indiferença. Com a maior falta de respeito me dizia que eu não era seu pai e que não me devia submissão nem deferência! Entretanto eu só queria aconselhá-lo! Eu o amara como se fosse meu filho!...Mas, sabia que estava colhendo o mal que praticara. Não tirara a vida daquele que era seu pai verdadeiro? Reconhecia agora que a justiça divina pode tardar, porém não falha.
Eu me sentia sozinho, sem apoio moral, envelhecido e amargurado. Mas uma força superior me veio nesses tristes momentos, nesses amargos anos em que me senti vítima da compaixão de todos. Sim, compadeciam-se de mim , porque ignoravam o que eu fizera, ignoravam o meu crime. Meus irmãos foram partindo e agora aquele que eu criara e amara com todas as forças do meu coração, se vingava de mim com seu orgulho e abandono.
Sim! Abandonou-me completamente, cego que ficou pelo poder e pela ambição. Se, pelo menos tivesse sido um bom rei para nosso povo! Mas não! Era perverso e exigia dos pobres o máximo daquilo que lhe podiam dar seus miseráveis súditos.
Porém ele também sofria muito, mais talvez do que eu próprio. Era necessário que o ajudasse a se reerguer e lutar pela própria felicidade. Era preciso que eu voltasse à terra para tomar o lugar que um dia ocupara. Naquela época eu também estava tomado pelo desejo do poder como ele, mas agora seria diferente. Algo me dizia que assim devia ser. Era preciso reerguer aquela nação cujo povo sofria nas mãos de quem eu criara como filho, mas que também já fora minha vítima. Ele era nada mais, nada menos, que o irmão a quem eu obsidiara, fazendo com que se suicidasse.
Portanto, eu deveria renascer em seu palácio como filho primogênito e herdar o trono. Era necessário ajudar aquele povo e reparar tantas faltas cometidas. E então, pela misericórdia do Pai, renasci mais uma vez.

NOVAMENTE COM O CETRO NA MÃO

Meu pai pouca atenção dava aquele filho que nascera prematuramente. Muitos cuidados foram necessários para que eu pudesse sobreviver. Finalmente a natureza venceu e, com três anos eu era um garoto sadio.
Meus pais não se preocupavam comigo, mas tão somente com as festas, a orgia e o prazer. Alguns meses após ter completado cinco anos nasceu-me um irmão, a quem dei todo meu afeto. Crescemos sob os cuidados de criadas, sem o amor e carinho de nossos pais, extremamente ocupados com os prazeres mundanos. Talvez que, pelos excessos, nosso pai adoeceu gravemente, quando eu tinha apenas dezesseis anos.
Não houve nada que o curasse. Sofreu durante mais de três anos com dores atrozes e veio a desencarnar amaldiçoando a doença que o levava. Eu era ainda jovem e o cetro estava mais uma vez em minhas mãos. Todavia, aprendera com os erros de meu pai e desejava imensamente vir a ser um bom rei para o meu povo.
A primeira coisa que me ocorreu foi abaixar os impostos elevadíssimos com os quais o povo sofria a fome e a miséria. Procurei ajudá-los incentivando-os e dando-lhes o apoio de que necessitavam. E em poucos anos tudo era diferente. Nossa nação crescia e se tornava forte. Todos viviam satisfeitos e trabalhavam com entusiasmo. Acabei com as festas, as orgias, e somente nas grandes ocasiões nosso castelo se iluminava completamente para uma recepção.
Foi numa dessas ocasiões que conheci aquela que seria minha esposa. Era uma jovem princesa, filha de um reinado vizinho. Seus pais faziam gosto com o casamento, pois seu reino se achava em decadência e eu poderia ajudá-los a recuperarem o que haviam perdido. Concordei plenamente, uma vez que aquela jovem enchia meu coração de alegria.
Nosso casamento se realizou seis meses depois, e tudo era felicidade à nossa volta. Fiz quanto pude para erguer o reino dos pais da minha esposa e com a graça divina consegui o meu objetivo. Tanto eles quanto nós estávamos satisfeitos. Tudo ia às mil maravilhas. Porém o tempo foi passando e minha esposa não concebia. Estávamos, eu e ela, realmente preocupados. Era preciso que ela me desse um filho para que não me visse obrigado a procurar outra esposa. Os anos se passaram. Dez anos, e nada!
O povo já começava a murmurar a respeito. Foram os próprios pais da minha querida esposa que me aconselharam a deixá-la e procurar uma que me desse um filho para herdeiro. Não podia ir contra as leis do meu país. Fui obrigado a fazer o que era meu dever!
Deixei-a, cheio de pesar. Arranjaram para mim uma jovem que eu jamais vira. Era bonita e de estirpe real. Desiludido, sem coragem para procurar uma que fosse do meu agrado, ou seja, com a qual sentisse afinidade, aceitei a que me ofereciam. Casei-me com ela.
Essa mulher foi a minha ruina. Desgraçou-me, envergonhando o nome honrado que lhe dei. Só bem mais tarde pude compreender que era a lei divina, ou seja, a da causa e efeito, que me fazia assim sofrer a desonra e a perversão daquela com quem me unira. Só pensava nos prazeres mundanos. Muito embora eu tudo fizesse para impedir, ela abria as portas do palácio para fazer nele entrar os seus admiradores e sua corte de bajuladores.
Era infiel e eu tive provas disso. Assim sendo, consegui separar-me dela, embora para isso precisasse jogar meu nome na lama. Mas era o que me cabia fazer. O sofrimento e a vergonha que me causaram todo aquele escândalo certamente serviram para depurar um pouco mais o meu espírito.
Novamente fui forçado a contrair núpcias. Dessa vez, porém, fiz questão de eu mesmo escolher a companheira que iria unir seu destino ao meu. E a encontrei entre gente humilde, pois era filha de um simples mercador. Entretanto pressenti que a convivência faria com que a amasse e, por sua vez ela me garantiu que se casava sem pensar na posição que iria ocupar, mas tão somente com o desejo de me dar um filho.
Tudo correu bem no princípio. Ela era meiga, dócil e honesta. Mas os anos se passavam e nada de gerar o filho tão desejado. Dez anos se passaram e tive então a certeza de que era eu, e não minhas mulheres, que era estéril. Era eu que não tinha sementes sãs que pudessem frutificar. Minhas doenças de infância certamente haviam me deixado incapaz de produzi-las. Inclusive, a primeira esposa, a quem tanto amara, se casara e tinha três filhos.
Por esse motivo não me afligi. Simplesmente disse ao povo que já não tinha idade para ficar trocando de esposa. Prossegui dizendo que meu irmão, ao qual eu muito amava, seria meu herdeiro e, na falta deste, seu filho mais velho, a quem eu também queria muito. E assim ficou decidido. O povo se conformou e viveu feliz por mais algum tempo.
Certa manhã, porém, fomos acordados com os gritos de mulheres e crianças pelas ruas. Os soldados da guarda foram tomados de surpresa e não conseguiram vencer a tribo que por tantos anos haviam nos deixado em paz e com quem mantínhamos laços de fraternidade. Foi uma mortandade geral. A cidade ficou quase que totalmente incendiada. Meu Deus! Quanto sangue derramado! Meu povo querido sofria a pena de talião e agonizava nas sarjetas. As mulheres ultrajadas, as crianças roubadas!...
Foi uma tremenda mortandade! E eu sem nada poder fazer, apertando a mão da minha esposa que tremia e chorava. O palácio estava prestes a ser invadido. Era grande o número de inimigos. Corri ao quarto de meu sobrinho, já adolescente. Lá se encontravam meu irmão e sua esposa chorando em desespero. Mandei-os, juntamente com todos os serviçais, fugirem pelo túnel que, do castelo, iria dar a uma gruta a alguns quilômetros da cidade. Esse esconderijo era conhecido apenas por mim e meu irmão, que estava justamente aguardando a minha chegada.
Ordenei então que fugissem todos, sem demora. Esperaram que eu fosse à frente, mas lhes disse, em tom enérgico, que eu não iria!- Ficarei esperando pelos inimigos na sala do trono, prossegui, com firmeza. Não pensem em me  desobedecer, continuei quase aos gritos. E então eles se foram. Minha esposa saiu carregada, a maioria chorando.
Sentei-me ao trono com o traje real e fiquei aguardando a chegada dos invasores. Ao entrarem, olharam para mim, estupefatos. Eu, apenas eu, ali estava a enfrentá-los. Então me levantei e lhes disse que poderiam fazer comigo o que quisessem, mas que deixassem em paz o resto do meu povo que ainda estava vivo, muitos, talvez, em agonia, e também os que choravam a perda dos que haviam partido.
Assim que saíram da surpresa, avançaram sobre mim e me prenderam. Levaram-me em seguida para sua terra, onde me atiraram numa masmorra fria e húmida. Ali permaneci passando a pão e água durante o resto dos meus dias daquela existência neste orbe ainda de provas e expiações. Mas não era a falta de conforto, o frio e a doença que me abatia, e sim  o desgosto por saber meu pobre povo abandonado, minha cidade destruída e a falta de notícias de minha esposa, meu irmão e sobrinho!
Sem saber de nada, completamente isolado de tudo e de todos, passei dias, meses e talvez anos. Só depois que, com a misericórdia divina, deixei o meu corpo cansado e envelhecido, foi que soube que meu irmão e todos quantos o acompanharam na fuga, haviam voltado. Com muita luta e sacrifícios ele conseguiu reerguer a moral do povo e construiu outra cidade.
Na ocasião em que, já vivendo a vida do espírito, soube de tudo quanto se passara, já não era meu irmão que governava, mas meu querido sobrinho. Tanto este quanto seu pai tiveram  que enfrentar grandes dificuldades, pois nossos atacantes nos haviam levado o erário régio que guardávamos para o sustento e a manutenção  da cidade e do povo.
Agora tudo voltara ao normal e tudo era novamente paz. Só então consegui descansar e deixar de me afligir. Mas isso só depois de quanto tempo? Não posso afirmar, já que no cárcere frio e escuro, eu perdera a noção do tempo. Compreendi que todas aquelas provações nada mais foram que o início de resgate de minhas culpas e erros do pretérito. Agradeci então pela misericórdia divina que me enviava a dor e o sofrimento, mas, junto, me dava a paciência e a resignação.
Logo após minha passagem para a vida verdadeira, vi minha mãe a me estender os braços. A seguir, após o refazimento do meu corpo espiritual, comecei a me preparar para uma nova reencarnação, pois tinha ainda muitos débitos a reparar.

O DISCÍPULO DE CRISTO

 Estávamos próximos ao Primeiro Ano da era Cristã e sabia que o Cristo Jesus deveria vir ao mundo para trazer aos homens o Evangelho de amor e paz. Seria essa a minha grande oportunidade, pensava. Queria ser um dos seus amigos, um daqueles que desejavam trabalhar pela propagação da doutrina cristã. Sabia não ser merecedor de tão grande privilégio, porém a minha vontade de vencer era grande, e meu desejo de ver a Terra sob as luzes do Evangelho de Jesus era maior ainda.
Já não suportava mais ver a dor dos homens, nem a discórdia e a ganância. Desejava para a humanidade, assim como desejei para meu povo, nessa minha última passagem pela Terra, não apenas um reinado de felicidade que fosse passageiro, mas um reinado que fosse de eterna fraternidade, amor e confiança mútua.
E então renasci, desta vez na Sicília, uma região da Itália. Meus pais eram honrados e modestos, pequenos mercadores que lutavam para subsistir. Tinha apenas poucos anos quando soube da matança ordenada pelo rei Herodes. Lembro-me ainda da grande indignação que senti. Era tão pequeno, mas aquele infanticídio marcou muito a minha alma. Talvez aquilo tenha servido de alavanca para preparar o meu espírito para receber as palavras divinas do divino Mestre.
Foi bem mais tarde que O conheci. Reconheço que fui um dos mais insignificantes espectadores que assistiram ao Sermão da Montanha. E eu O vi. Que sublime momento! Sua beleza não era deste mundo! Da Sua fronte emanava esplendor e luz. Eu O senti como era realmente:- O enviado de Deus sobre a Terra.
A partir desse dia não O deixei mais. Acompanhei-O até o derradeiro instante em que, levantando os olhos ao céu, exclamou:- “Pai, por que me abandonaste?” e depois: -“Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.”  E, finalmente:- “Pai, a Ti entrego o meu Espírito!”
 O Cristo Jesus morreu para os homens, mas seu Espírito glorificado subiu muito alto, mais alto do que se possa imaginar. Nós nos reuníamos diariamente em casa de Simão Pedro e orávamos a Jesus para que não nos abandonasse, e Ele não nos abandonou. Quando subiu à morada gloriosa dos Céus, deixou-nos seus mensageiros que nos ajudaram, orientando-nos naquilo que deveríamos fazer.
 Depois, então, saímos a pregar o santo Evangelho de Jesus, Evangelho todo feito de sabedoria, amor e luz. Juntamente com dois outros discípulos, levando a alegria em nossos corações, saímos para mostrar aos que de nós se aproximavam, aqueles homens de boa vontade e que tinham o desejo de conhecer a verdade, a esses, repito, falávamos daquilo que sabíamos e que nos fora dito pelo Mestre.
A lei de Moisés, a lei dura e severa do “olho por olho e dente por dente” fora substituída pela lei do amor, da fraternidade e da caridade recíproca.
Muito lutamos. Foram muitas as dificuldades que tivemos que enfrentar. Mas nossa fé, nosso desejo de que a humanidade recebesse no coração as palavras divinas do enviado de Deus, nos deram forças e coragem. E assim vencemos todos os empecilhos que se apresentavam constantemente.
As cartas de Paulo nos animavam a prosseguir e assim, de vila em vila, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, pregávamos a palavra de Jesus, o enviado divino de Deus. Nossos corações se rejubilavam quando conseguíamos ver germinar a semente que lançáramos nas almas dos homens de boa vontade, daqueles que já estavam preparados para recebê-la. Oh! Deus! Como era grande nossa alegria!
Essa satisfação compensava todo o sofrimento, todo o sacrifício, todas as decepções. Sabíamos que, se conseguíssemos levar a um irmãozinho sequer o Evangelho do Mestre, já seria uma vitória, quanto mais quando víamos dezenas, centenas mesmo deles aceitando a boa semente.
Não é necessário dizer dos problemas que surgiram, pois que nossa finalidade não é essa, mas mostrar apenas que o nosso Espírito, que angariara tantos débitos para com o próximo e para consigo mesmo, tinha agora a oportunidade de repará-los, saldando uma pequena parte dessas mesmas dívidas.
E aproveitamos ao máximo a oportunidade que o Pai nos dava. Deixei o corpo de carne satisfeito comigo mesmo. Sentia a consciência em paz e, na espiritualidade, pude repousar para analisar o caminho percorrido e o que tinha ainda a percorrer.

A TAREFA DE EVANGELIzação




Desta vez já não sofria o remorso do passado, mas tão somente a mágoa pelos erros que cometera no pretérito e o tempo que perdera na minha caminhada evolutiva. A tristeza por vezes se tornava profunda e, nesses momentos, sentia grande pesar e desgosto. Fui aconselhado então a me preparar para um novo retorno, no qual eu pudesse estar em condições suficientemente favoráveis. Esse preparo foi relativamente longo, em consequência dos meus erros pretéritos.
A doutrina que o meigo Nazareno lançara entre os homens havia se espalhado. Já era grande o número de cristãos que, às escondidas, recebia a palavra de Jesus fazendo-a frutificar no coração. As perseguições, porém, eram cada vez mais acirradas. Quanto mais vulto tomava a nova fé, mais a combatiam. Era uma luta sangrenta, na qual os adeptos eram atirados às feras, às masmorras, aos suplícios.
Retornei ao mundo em meio à mortandade dos primeiros cristãos. Cresci sabendo do perigo que corria aquele que aceitava a palavra do Mestre Jesus, filho do humilde carpinteiro. Nascido de pais já convertidos ao cristianismo, desde muito cedo fui encaminhado à santa doutrina. Acatei-a de coração aberto e sem medo algum, na minha ingenuidade infantil, não fazia segredo da minha crença.
Meus pais não se cansavam de me aconselhar para que tomasse cuidado e não nos expusesse ao perigo. Entretanto, sem compreender ainda o alcance de suas palavras, continuava a falar a meus pequenos companheiros sobre o meigo Nazareno que morrera numa cruz pela salvação dos homens.
Um dia minhas palavras chegaram aos ouvidos das autoridades e alguns soldados foram à nossa casa querendo saber de meus pais. Eu brincava com meus amigos e lhes disse que eles não se encontravam. Quiseram saber onde estavam e respondi:
- Numa reunião importante.
-Onde está sendo feita essa reunião? Perguntaram, cheios de interesse.
Já arrependido do que dissera, afirmei que não sabia. Realmente, dizia a verdade. Tentaram forçar-me a falar, porém não lhes dei mais atenção. Então eles me sacudiram e acabaram por me jogar num canto da casa. Quando meus pais chegaram me apressei a lhes contar tudo. Estava assustado.
Imediatamente, levando apenas os objetos indispensáveis, fugimos com uma mula e dois cavalos para uma cidade distante. Em meio ao caminho íamos parando nas casas de cristãos, por cujos sinais nos reconhecíamos. Todos nos ajudaram e deram guarida por uma ou duas noites. E assim, prosseguíamos a viagem, que parecia não ter fim.
Minha querida mãe, coitada, foi quem mais padeceu, pois estava grávida do terceiro filho. Só bem mais tarde compreendi que o causador daquela fuga fora eu. Tivesse sido mais prudente, e nada daquilo teria acontecido. Entretanto, reconheci também que a divina providência se aproveitara da minha inocência para nos tirar daquela cidade onde, poucos anos depois, a grande maioria dos cristãos eram massacrados em praças públicas, eram apedrejados, escarnecidos e assassinados.
Não respeitavam mulheres nem crianças. Todos aqueles que confessavam a sua crença, que não negavam seu amor pela doutrina de Jesus eram mortos sem piedade. E nós, agora, numa pequena aldeia, aonde apenas chegavam os rumores do que acontecia lá fora, crescemos e vivemos sem muitas preocupações.
Quando atingi a maioridade, senti, dentro de mim, que não deveria permanecer ali por mais tempo. Era necessário que eu trabalhasse, lutasse e desse  também a vida, se preciso fosse, pelo Evangelho do Mestre Jesus. Meus pais, que haviam me criado dentro daquela doutrina abençoada, não puderam me negar o pedido. E, recebendo-lhes a bênção parti para grandes cidades aonde abundava a luta pela sobrevivência do cristianismo.
E então me reuni aos fiéis. Ninguém me conhecia, mas foi fácil me identificar pelo sinal que só nós conhecíamos. Assim iniciei minha tarefa de evangelização, tarefa essa a que me dediquei com todas as minhas forças, com o desejo imenso de ver triunfar o reino de Cristo na Terra. A cruz na qual foi imolado o enviado de Deus passou a ser o nosso símbolo e o emblema do cristianismo. Era agora o sinal pelo qual nos identificávamos e que passou para o resto dos dias até hoje.
Infelizmente, a doutrina pura do divino Mestre foi depois ultrajada pela prevaricação e pelo abuso que dela fizeram os seus ministros. Naquela época, porém, ela era sublime, feita de amor e caridade cristã, daquele sentimento puro que Jesus nos deixou: -“Fazei aos outros aquilo que gostaríeis que vos fosse feito.”
Entretanto era grande o perigo que corríamos. A lei de Moisés era ainda a que prevalecia e os sacerdotes dos templos temiam que os destronássemos com aquela nova lei. E, para evitar sermos presos e lançados às feras, nos escondíamos nas catacumbas, onde fazíamos nossas reuniões. Orávamos então ao Deus de bondade para que iluminasse os corações daquela humanidade ainda apegada aos vícios da matéria.
 Dia a dia aumentava o número de fiéis que vinham se reunir a nós para ouvir a palavra de nossos superiores, daqueles a quem o Pai enviara para nos dar da fonte divina.
Alguns anos se passaram sem que visse meus velhos pais e irmãos. Escrevia-lhes sempre falando de nossa labuta diária no afã de converter ao cristianismo aqueles que, sentíamos, eram simpáticos à nossa doutrina. Cada alma convertida era para nós motivo de júbilo e alegria infinda.
Eles sabiam do risco que corriam, mas não se importavam. Sabiam que poderiam morrer se descobrissem a sua crença, mas não se preocupavam com o que pudesse acontecer. Nosso reino, como o de Cristo, não é deste mundo, diziam eles após saberem o que Jesus dissera a respeito. E prosseguiam afirmando que morreriam sem receio da morte, a qual, já agora, nada significava para eles. Sabiam que seriam  levados para o reino do Cristo Jesus.
Para minha própria subsistência trabalhava durante o dia, e os parcos rendimentos que recebia serviam para pagar a pequena morada onde residia com dois outros discípulos a quem pude converter. Eles me ajudavam em minha tarefa de carpinteiro, e as sobras nós as dávamos às viúvas e aos órfãos que batiam à nossa porta, necessitados de auxílio material. Sabíamos, porém, que não era a esmola material de que necessitavam mais, e então lhes falávamos de Jesus e sua bendita doutrina de amor e paz. Na maioria das vezes conseguíamos l abrir seus olhos, e passavam então a receber a semente do cristianismo.
 Sentíamos imensa alegria quando, após algumas semanas de pacientes diálogos, as víamos frequentando as catacumbas, ouvindo as magníficas palestras que diziam do imenso amor de Jesus sobre os homens e de sua divina missão entre nós.
E os anos se passaram. Meus velhos pais partiram para a vida no além sem que eu os pudesse ir ver. Sabia, porém, que o meigo rabi os recebera em seus braços fraternos e me conformei com a ideia. Tinha absoluta certeza de que um dia, talvez não muito distante, também eu iria me unir a eles.
Estávamos na época em que Nero era o imperador romano. Chamavam-no de louco ou doente. Já cometera coisas atrozes, mas a ideia de cairmos em suas mãos não nos abalava. Muitos cristãos já haviam sofrido o martírio, morrendo para distrair o povo, sedento de espetáculos dantescos. Queriam sangue. Nero lhes dava espetáculos de sangue e dor, onde os cordeiros eram devorados pelos lobos ferozes.
E então chegou nossa vez. Fomos denunciados e presos. Aguardamos alguns dias na masmorra fria à espera do momento em que se daria o tétrico espetáculo. Mas não tivemos medo. Entregamo-nos a Jesus, cantamos hosanas ao Pai e oramos ao Mestre amigo para que não nos faltasse na hora da horrível agonia.
O povo, entretanto, se cansara de ver as feras devorando os cristãos e Nero, na sua insanidade mental e espiritual, decidiu oferecer-lhes um espetáculo mais medonho ainda. Resolveu que Roma seria iluminada com tochas humanas. Os cristãos seriam queimados vivos e serviriam para iluminar parte da cidade como postes de luz. Suas carnes crepitariam como o madeiro nas fogueiras.
Nós de nada sabíamos, mas estávamos preparados para tudo. Nossa fé nos dava força e coragem e agradecíamos ao Pai de amor por nos oferecer essa oportunidade de reparar nossas faltas e erros que, compreendíamos agora, deveriam ter sido imensos.
Finalmente chegou a hora, hora em que, para alegria nossa, iríamos resgatar tantos débitos do pretérito. Pressentíamos que Deus, em sua misericórdia infinita, nos libertaria nesse dia bendito, do passado de trevas. E então, cantando o nome de Deus e de Jesus, saímos pelas ruas da cidade presos, como se tivéssemos cometido um crime bárbaro. E, ao cair da tarde, na praça principal, em frente ao palácio do governo, nos amarraram aos postes que serviam para prender as luminárias. Ali ficamos até o escurecer, glorificando a Deus nas alturas e pedindo paz aos homens de boa vontade.
Não sei dizer quantos éramos ao todo. Só sei que era muito grande o número de cristãos que ali se encontrava à espera do que iria acontecer. Foi então que começaram a jogar sobre nós um material de fácil combustão, que chamaríamos hoje de álcool ou gasolina. A seguir atearam fogo sobre nós. Não sei bem o que senti, no início. A dor das chamas a me queimar as carnes era muita, porém em breve, desapareceu. O mesmo deve ter acontecido a todos os meus companheiros. Anjos do céu haviam descido sobre nós e, derramando sobre nossas cabeças um bálsamo refrescante, neutralizaram a dor que sentíamos anteriormente. Enquanto isso o fogo consumia nossas entranhas e o povo, à volta, aplaudia entusiasticamente.
Foi um espetáculo realmente digno de Nero. O Pai Eterno permitia que queimassem nosso corpo perecível, para que nossas almas eternas se purificassem. Não sei quanto tempo aquilo durou. Apenas me recordo de que antes de ser consumido nosso pobre corpo já enfraquecido , nosso espírito se libertava, cantando hosanas ao Senhor. Vimos então, estendendo os braços e sorrindo para nós, espíritos iluminados que, felizes, nos recebiam em seus braços fraternos.
Nossas almas, ainda não totalmente libertas do torpor delicioso que se apoderava de nós, deixou-se cair naqueles braços amigos e adormecemos um sono maravilhoso, onde o despertar foi mais maravilhoso ainda.
Que alegria, Oh! Deus! Jamais poderei esquecer aquele dia inolvidável já tão distante, que marcou para mim uma nova etapa em minha caminhada de Espírito imortal. Via luzes, cores esplendorosas, ouvia música diáfana que nos acariciava os ouvidos, falando do Deus de amor e onipotência. Dia de festa sublime para nós que deixávamos o peso da carne que se consumia totalmente, para encontrarmos as belezas e as delícias de uma nova pátria feita de acordes suaves.
Não sei expressar o sentimento de paz e gratidão que se apoderou de mim nesse instante, pois as palavras terrenas não podem traduzir aquilo que o Espírito sente num momento como aquele. Não sei dizer se é a paz que nos domina completamente, se é a felicidade que enche nosso ser, se é amor e gratidão. Com certeza é tudo isso junto num grau tão elevado, que aqueles que se encontram presos aos laços terrenos não podem compreender.
Eu estava extasiado, simplesmente maravilhado de tudo quanto via e ouvia. E então eu a vi! Novamente eu vi minha mãe que, resplendente de luz me abraçou cheia de alegria, sorrindo para mim como jamais a vira. E assim abraçados, ela sussurrou em meus ouvidos, e suas palavras me soaram como música divina:
- Meu filho! Meu querido filho! Quanta alegria! Agora sim, tu és aquele filho por quem tanto esperei! Deus de misericórdia e amor, graças Te dou!
E lágrimas de profundo agradecimento rolaram de suas faces sublimes, enquanto continuava me abraçando e acariciando ternamente.
Não é preciso dizer do quanto foi duradoura nossa felicidade. Tornei ao plano terrestre por mais duas vezes, mas agora para cumprir uma missão da qual o Cristo Jesus me incumbiu. Essa missão foi bastante penosa, mas serviu para burilar ainda mais o meu Espírito. Durante essas duas encarnações fui vítima de injustiças e da maldade dos homens. Agora, porém, recebia o sofrimento e a dor como bênçãos que jorravam do céu, pois que elas significavam a depuração e a elevação de minha alma.
Quando, finalmente, me vi livre do corpo material que me pesava tanto, compreendi com mais clareza a justiça e a misericórdia divina que a ninguém desampara nem deixa ao abandono. Quanto maior for a necessidade que tivermos do amor de Deus, com mais veemência ele se manifestará através de Seus mensageiros de luz. Haviam-me dito que não reencarnaria mais na Terra e que deveria prosseguir minha jornada para o infinito ingressando em outros mundos mais felizes.
E foi o que aconteceu. Reencarnei diversas vezes em planetas mais evoluídos e cada vez mais compreendia o amor do Pai Celeste.
Mas uma mágoa ainda subsistia em meu ser. Era o passado distante que procurava esquecer. Minha felicidade, por várias vezes, foi turvada por lembranças amargas do pretérito. Era necessário que as esquecesse, para que pudesse prosseguir minha jornada sem empecilhos e barreiras.
Foi então que me surgiu a ideia de escrever por intermédio de um médium psicógrafo. Precisava falar sobre minhas vidas pregressas, para que os que tivessem a oportunidade de conhecer a história da minha vida pudessem saber como é infinita a bondade e a justiça do Pai Eterno. Estas minhas palavras são dirigidas a vocês, amigos encarnados e desencarnados que ainda labutam nesse planeta onde o mal e as guerras ainda fazem parte da sua evolução. São para vocês, queridos irmãos, que já compreenderam um pouco da lei de amor que o Cristo nos deixou.
São, enfim, para todos aqueles que palmilham a doutrina bendita dos Espíritos. Desejo ardentemente que todos vocês cheguem à conclusão de que sem luta não há vitória, sem força de vontade não há progresso e sem sofrimento resignado não há Paz Profunda.

                                                     Z - ZENÓBIO


FIM


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